segunda-feira, 26 de outubro de 2015

15. VIDA NOVA

Concluí o ensino médio técnico em Processamento de Dados, voltei a trabalhar. Fiz faculdade de Comunicação Social e me casei.
Era o momento de iniciar um novo sonho ao lado do Rogério.
Nosso amor era e continua a ser muito lindo!
Durante os 5 primeiros anos do casamento eu não pensava em ter filhos, até porque meu médico havia me alertado que quando eu resolvesse ter filhos seria complicado, pois, seria uma gravidez de alto risco. Eu não poderia deixar de tomar os remédios e não poderia amamentar para que a medicação não passasse ao bebê. Enfim, seria um período conturbado novamente e confesso que isto me causava muito medo.
Em contrapartida, meu marido já queria filhos desde o primeiro dia! Ele é louco por crianças, mas ambos tínhamos muito medo de que a gravidez pudesse trazer complicações ao órgão transplantado e que eu não resistisse. Outro fato que eu temia muito, muito mesmo era o parto. Lembro de ter visto um parto normal na tv aos 10 anos de idade e fiquei muito impressionada! Mas, Deus já tinha um plano (lindo) para tudo isso...
Depois de algumas tentativas sem sucesso, concluímos que o melhor caminho era a adoção.

Entramos na fila para adoção e pedimos que o Senhor preparasse este lindo presente para completar nossa alegria. 

14. O VÍRUS

O primeiro ano de transplante foi bem complicado. Meu doador tinha um vírus chamado Citomegalovírus e eu não. Por isso, precisei ainda fazer um tratamento de vários dias de medicação para combater o tal vírus. Os médicos explicavam que para outras pessoas, esse vírus era como o da gripe, não causava nada de grave, mas, como eu tinha a imunidade baixa devido às medicações imunossupressoras, ele poderia me causar uma pneumonia grave. As medicações que eu tomava tinham a característica de reduzir as defesas naturais do meu organismo para que não houvesse rejeição do órgão recém colocado. Com o passar do tempo, eles reduziriam ao máximo as medicações, mas eu teria de tomar algum tipo de medicamento durante a vida toda.
Para tratar o citomegalovírus, eu tinha de tomar a medicação na veia às 9hs e às 21hs. Por 7 dias, depois por 14, depois por 21 dias. Depois, devido a orientação de um médico que havia vindo da Argentina, eles decidiram que eu faria o tratamento por 90 dias. O problema é que não era recomendável que eu ficasse internada por causa do risco de infecção hospitalar, nem mesmo no isolamento, então eu ia e voltava da Santa Casa de SP a São Caetano do Sul, todos os dias desse período. Sem contar as idas ao hospital para exames e consultas, 3 vezes por semana.

Mas, pouco a pouco o prazo dos exames e consultas foi se tornando mais espaçados até que pude voltar a uma rotina normal, como qualquer adolescente.

13. O RE-TRANSPLANTE

Acabei adormecendo e na hora da visita contei pra minha mãe que tinha sonhado com um anjo. Ele me avisava pra aguentar firme que meu fígado novo estava chegando.
À noite lembro-me que tinha uma enfermeira comigo, ela era senhora, usava saias, óculos e seus cabelinhos grisalhos estavam presos em um coque. Lembro de estar sonolenta, cochilando e ela me falava coisas sobre Deus. Não consigo me recordar seu nome, mas também não sei se ela é real ou uma “vozinha anja” enviada de Deus, até porque ninguém na UTI soube me dizer de uma enfermeira com essas características... 

Naquela noite do dia 04/05/1997 eu havia acabado de começar a jantar, um purezinho delicioso, quando entra no quarto o Dr. Fábio, o médico mais chato que vinha para passar visita e fazer em mim aquele exame que deitava todo o leito e eu detestava! E ele diz: “Pára de comer, pára de comer agora!” Fiquei brava! :@
Ele tirou a comida e fez o exame que eu detestava, para medir a pressão venosa central.
Fiquei resmungando e ele foi embora correndo. Então a enfermeira me disse: “Você vai operar esta madrugada, estão trazendo seu fígado!” A ansiedade era tanta que eu não conseguia adormecer. Só apaguei quando me deram um calmante.
Enquanto isso, minha mãe estava em casa, se arrumando para ir à visita das 21hs. Ligaram para ela e falaram para ela aguardar na linha, que meu médico Dr. Maurício iria falar. Ela achou que eu havia falecido e quase teve um colapso nervoso! Mas a notícia era outra...

Foram mais 9 horas de cirurgia. Acordei quando estavam me costurando, eu não sentia dor, mas aquela sensação horrível nunca saiu da minha mente. Eu tentava, tentava me mexer para mostrar a eles que eu tinha acordado, mas não tinha forças.
O pós-operatório foi muito pior que o da primeira vez. Meu corpo todo doía muito! Parecia que eu havia sido atropelada por um caminhão!
Lembro apenas que minha mãe vinha me visitar e eu só conseguia ficar alguns poucos segundos com os olhos abertos e dormia... Dormia... Não tinha forças nem pra ficar acordada.
Os dias foram passando e eu fui me recuperando bem devagarzinho.
Recebi alta da UTI e fui para o quarto, já com a orientação de tomar 3 litros de água por dia. Foi difícil me acostumar, mas, hoje não consigo ficar sem! Na ocasião eu já havia tirado os pontos da barriga, axilas e virilhas e também um dos drenos do abdômen. Os pontos das virilhas e axilas foram necessários, pois um aparelho era inserido nas axilas, direcionando o fluxo sanguíneo direto para as virilhas, diminuindo assim a perda de sangue durante a cirurgia, devido ao tempo cirúrgico ser muito extenso. Estava apenas com um dos drenos, o do lado direito. Um dia aconteceu algo bem estranho, eu acordava bem cedo, todos os dias, mas naquele dia senti um sono tão forte, estranho antes do almoço e dormi. A enfermeira Cida, uma querida, me acordou pra eu almoçar. Depois do almoço, começou a jorrar um líquido amarelinho do lado esquerdo, pelo orifício onde tinha o dreno e estava em fase de cicatrização. Tomei um susto... tive muito medo de ter que voltar a UTI.

Tinha orientação de andar muito para eliminar líquido e gases. Meu abdômen estava super distendido, parecia que eu estava grávida de uns 4 ou 5 meses. Andar causava forte incômodo tanto na barriga quanto na coluna porque devido a ficar tanto tempo deitada, eu não conseguia ficar ereta, em pé, andava meio corcunda.

Durante este período de internação no quarto, a rotina era a seguinte, minha mãe trabalhava normalmente, exausta com certeza porque ela passava todas as noites comigo, dormindo naquele sofazinho desconfortável no hospital. Além do meu namorado Rogério, que mentiu no hospital dizendo ser meu irmão para poder ficar como acompanhante, apenas uma (isso mesmo “1”) pessoa da minha família se ofereceu para passar uma noite comigo, para que minha mãe pudesse descansar em casa.  Hoje, repensando tudo isso que aconteceu, e sendo eu casada imagino, como minha mãe conseguiu se desdobrar e dar conta de tudo?! Digo, porque ninguém a ajudava em casa, ela tinha de cuidar da higiene do lar, lavar roupas, passá-las, dormir comigo no hospital e ir de lá direto para o trabalho! E ela o fez, com todo o mérito possível! Minha rainha! Minha super heroína! Mamãe Nada que eu diga ou faça será capaz de demonstrar tanta gratidão a Senhora. Meu pai trabalhava em Cubatão, como já disse. Ele precisava se deitar cedo porque levantava às 3hs da manhã e, como era motorista, não poderia dirigir com sono, pois isso seria perigoso para sua vida e a de todos os passageiros que transportava diariamente. Ele ficava em Cubatão o dia todo e só voltava de lá ao final do dia, trazendo os funcionários para o ABC novamente.
Como eu dizia, minha prima Cilmara (my little sister, como nos chamamos), foi a única da minha família que chegou para minha mãe e disse “tia, vai descansar, eu durmo com a Dani hoje!” E ela também trabalhava fora e foi direto para o trabalho depois de uma noite mal dormida no sofá do hospital! E não é que minha família seja pequena não! Eu tenho vários tios, tias e primos, sem contar com os “amigos”, mas ninguém estava disponível. Esta minha prima, é uma verdadeira irmã. Alguém a quem amo, admiro e sei que posso contar em qualquer situação. Alguém a quem eu torço e oro todos os dias da minha vida. Também não guardo nenhum tipo de mágoa dos que não puderam ajudar, cada um tem seus compromissos, eu sei. Mas, é fato que aconteceu e eu não poderia mentir aqui, não é mesmo? Esta questão é muito delicada porque levanta um questionamento muito sério. Eu entendo temos nossa rotina da semana e o lazer do final de semana tão esperado, mas é muito importante levar um sorriso, uma esperança a um amigo ou familiar que se encontra doente ou hospitalizado. Doar nosso tempo é o que há de mais precioso no mundo e pode ser um fator decisivo na saúde de alguém. A pessoa pode estar, por exemplo, entrando num quadro de depressão e seu sorriso, sua visita, pode salvá-la! Já pensou como isso é tremendo?

Enfim, recebi alta hospitalar com prescrição para 14 tipos de medicamentos, orientação para não ter nenhum contato com poeira, usar máscara em locais públicos, tomar 3 litros de água fervida por dia, ter uma ótima alimentação, etc e etc. Foram 21 dias de UTI e ao todo, 33 dias hospitalizada, mas saí viva para honra e glória de Jesus, meu Senhor!

Deixo meus sinceros agradecimentos àqueles que oraram por minha sobrevivência, saúde e recuperação e, em especial pelos que se fizeram presentes fisicamente. Aos que ajudaram financeiramente meus pais, aos que doaram medicamentos, especialmente aos amigos do ECC (Encontro de Casais com Cristo – Igreja Católica Apostólica Romana do Setor de São Caetano do Sul) que ajudaram meus pais inclusive com mantimentos e dinheiro.
Em especial quero citar uma amiga. Ela se chama Raquel, ela era evangélica não sei de qual igreja, um ser humano lindo, iluminada por Deus e cheia do Espírito Santo! Ela esteve ao lado da minha mãe e diariamente quando chegava do trabalho, ia a minha casa e falava pra minha mãe: Tia, vamos orar pela Dani? Elas se ajoelhavam e clamavam a Deus por minha recuperação. Minha mãe conta que ela descia do ônibus e ia direto pra lá, antes mesmo de ir a sua casa, ela priorizava pedir a Deus por mim, isto não é lindo? Eu só posso agradecer a Deus por ser humano tão belo que ela é e pedir a Deus que a cubra de bênçãos e graça por onde quer que ande, juntamente com sua família.
Dr. Maurício Iasi, meu médico cirurgião, meu Pai2

16. OUTRO SUSTO

O médico que eu passava descobriu que eu tinha endometriose que causa infertilidade. Eu não tinha condições de fazer um procedimento de fertilização, então uma cirurgia foi agendada para a retirada do cisto hemorrágico que havia se formado em meu ovário.
Contudo, durante o período que aguardávamos a data da cirurgia, o cisto cresceu rapidamente. Estava do tamanho de uma laranja, doía muito e eu tinha cólicas de suar frio. Eu o sentia ao colocar a mão próxima ao umbigo e podia ver o volume que vazia em meu abdômen. Temi que fosse um câncer.
O Dr. Marcos Tcherniakovisky se surpreendeu com o volume do cisto no pré-operatório, iniciou a cirurgia via Videolaparoscopia, mas o cisto estava tão grande que não foi possível concluir desta forma. Foi necessário abrir a barriga para ver a situação e gravidade do caso.
Ao terminar a cirurgia, meu marido e meus pais já estavam agoniados porque já havia passado o tempo previsto que o médico tinha lhes indicado e a preocupação já os atormentava. Ao receber a notícia, minha mãe acabou desmaiando...
Foi apenas mais um susto, Deus novamente me sustentou, tive uma boa recuperação, e permanecemos cultivando o sonho de ver nossa família crescer por mais algum tempo. Ainda havia a possibilidade de eu engravidar, pois eles haviam preservado o outro ovário.

Foi então que meu marido também fez alguns exames e descobriu que, assim como eu, tinha problemas com relação à fertilidade. Isto não foi preocupação para nós, já estávamos decididos, tínhamos em nosso coração a certeza de que Deus haveria de nos presentear com uma criança linda, que certamente iria encher nossa casa com mais alegria.

Um dia passei mal, tive um sangramento noturno estranho, porque não parecia sangue. No hospital, ao realizar o exame de toque, a médica suspeitou que eu estivesse grávida. Felizes e ansiosos fomos fazer os exames para confirmação. Na verdade era o líquido do endométrio que eu havia perdido. Foi identificado um abcesso hemorrágico no ovário que havia ficado. Desta vez, tive de ser operada em emergência, pois havia o risco que ele rompesse, espalhando pus por toda a cavidade abdominal. (Eita menina que gosta de um centro cirúrgico, fala sério!? Rsrs)

Nova recuperação, tudo bem graças a Deus!

#. POR QUE ESCREVER ESTE BLOG?

Há muito tempo eu alimentava o desejo em contar a minha história e um pouco da experiência que tive em minha vida para levar esperança e fé aos que necessitam. Talvez àquele que esteja passando por uma situação difícil de saúde, ou a alguém que se sente desmotivado em sua vocação ou profissão e não percebe qual verdadeiramente é sua missão aqui na Terra, ou para aquelas pessoas que reclamam da vida e não enxergam o milagre divino de “acordar todos os dias com saúde.”

Eu costumo testemunhar as maravilhas que o Senhor fez em minha vida, mas de maneira diferente da que narro nestas linhas. Aqui escrevo com o coração, com as coisas que mais me marcaram, os momentos vivenciados de maneira mais profunda que a memória não quis deixar apagar pelo tempo. Lembranças das dores, dos medos, das pessoas, e do que eu senti. Peço desculpas se alguém esperava ser citado aqui e não foi, peço desculpas também se alguém foi lembrado pela ausência ou de maneira não muito agradável. Busquei ser o mais verdadeira comigo mesma nessas linhas, busquei recorrer às minhas memórias e quem entende um pouco de psicologia sabe que muita coisa se apaga com o tempo, em momentos de muita tensão ou estresse.

Eu não tinha tempo de me dedicar a esta atividade, trabalhava demais, mas recentemente me vi participante das estatísticas de desemprego no Brasil, nesta crise de 2015 e vi neste tempo “vago” uma oportunidade de dedicar o meu tempo a favor do testemunho de fé que tenho e em favor de dizer às pessoas que Deus tudo pode e que só Ele é capaz de transformar nossas vidas. Mas, é preciso que creiamos! Nós temos o livre arbítrio e o Senhor não entra em nossos corações sem ser convidado, sem que o permitamos.

Desejo que você tenha fé, que você queira ter fé, que você ore e peça a Deus que aumente a sua fé! Cristo, ao salvar muitos, narra a Bíblia, que dizia “A tua fé te salvou!” A fé é um dom que Deus nos dá, então peçamos que Ele nos dê e dê em abundância!

Espero que meu testemunho lhe seja útil de alguma forma. E espero que Deus se alegre com minha gratidão, pois louvá-lo é tudo que eu mais quero e preciso!

E, finalmente, deixo aqui meu profundo agradecimento e admiração à minha mãe, por tantas lágrimas, por tanta dor e sofrimento, pelas noites em claro, pelo medo, pelas orações, por ter conseguido não enlouquecer e por tanto, tanto, tanto amor que sempre me dedicou e ainda hoje o faz. Mamãe, eu não sou nada sem a senhora! A senhora é uma rocha! Minha rainha! Minha linda! Eu te amo!

12. A EMERGÊNCIA

Na época, as filas dos transplantes eram por instituição, não era uma fila única como acontece hoje. Para que eu tivesse uma chance de ser salva com um re-transplante, eu fiquei em estado de emergência em todo o Estado de São Paulo. Todos os hospitais foram comunicados e todos os fígados que aparecessem para doação precisavam primeiro ser analisados se eram compatíveis com o meu tipo sanguíneo, antes de atenderem às suas respectivas filas. Pessoas de diversas religiões estavam em oração para que eu aguentasse a espera de outro órgão, meu nome era anunciado nas rádios e grupos se revezavam para orar por mim de hora em hora ininterruptamente. Meu tio Edvaldo (tio Vade como o chamo), conseguiu através de seus conhecidos fazer até um anúncio na tv pedindo doadores para mim. Programas entravam em contato com meu médico pedindo informações e deixando-o louco, pois ele na verdade, não tinha como fazer nada até que um novo órgão aparecesse.

Hoje entendo que eles não acreditavam que eu conseguiria! Depois de alguns dias dessa espera, na UTI a visita foi liberada, eu recebia muitas cartinhas e cartões fofos que me transmitiam palavras de fé, consolo e força. A todo o momento eu via rostinhos conhecidos no vidro da porta, familiares e amigos mandando beijos, fazendo mímicas e mostrando faixas com desenhos de coração. As enfermeiras empurravam minha cama para perto da janela para que eu visse uma turma lá embaixo no estacionamento acenando e pulando.
O médico disse aos meus pais que era muito importante a minha vontade de viver, que eu não desistisse e isso estava mesmo acontecendo de minha parte, pois, como já lhes disse, em nenhum momento eu achei que não resistiria.

Minha mãe me contou que minha madrinha de batismo Neusa, pediu para eu visualizar Nossa Senhora. Ela sempre foi muito católica e devota de Nossa Senhora e disse para eu ter fé que Maria nunca negava ajuda a um filho necessitado. E assim eu o fiz!
Imaginava o tempo todo Maria a me acompanhar, na parede branca em frente a minha cama eu a via... Ela estava lá, olhando para mim, com as palmas das mãos viradas para cima e das suas mãozinhas de Mãe saiam raios de luz que vinham em minha direção, raios de benção, de paz, de força como na imagem de Nossa Senhora das Graças. Maria, ela que viu seu Filho ser injustamente julgado, açoitado, que teve seu coração transpassado por uma lança de dor, naqueles dias contemplava as minhas dores e o meu sofrimento.
Longe de mim, querer me comparar ao sofrimento do Cristo! Eu não sofri nada! Digo apenas que era assim que eu a imaginava, a me olhar com compaixão, intercedendo por mim junto a tantos que oravam ao Pai.

Eu tinha também o acompanhamento de uma profissional da Psicologia, ela se chama Rosana. Eu amava os atendimentos dela, a paciência e a maneira com que ela me fazia sonhar e imaginar como minha vida seria quando voltasse para casa.
Havia dias que eu acordava triste, não tinha vontade de rezar. Para mim era muito complicado rezar e pedir a Deus que me desse outro fígado. O transplante que eu precisava só poderia ser de alguém que tivesse morte encefálica. Não poderia ser um pedaço, como os transplantes de bebês... Ou seja, eu precisava pedir a Deus que uma mãe chorasse para que a minha pudesse sorrir! Era como se eu orasse para alguém morrer... Eu não conseguia fazer isso...

Naqueles dias a UTI foi minha casa. Em isolamento eu estava à espera de um milagre como aquele filme famoso (que amo) com Tom Hanks. Na época eu cursava o 2º ano do colégio técnico em Processamento de Dados, meu pai passava na casa da Adriana, uma colega de classe e pegava a matéria para eu estudar, 2 ou 3x por semana. Eu copiava a matéria, assistia tv, desenhava e ouvia muita música. Fazia tudo que eu podia para ver a hora passar... As manhãs eram mais agitadas, sempre tinha visita das fisioterapeutas e o exercício respiratório da Máscara de Cpap que todo mundo detestava e eu amava! Elas também faziam uma massagem nas costas com tapotamento que eu amava muito... Era muito relaxante!
Lembro-me muito bem uma vez que elas vieram em duas e disseram: “Vamos levantar dessa cama?” E, com todo cuidado me sentaram, e lentamente me ajudaram a ficar em pé e bem devagar esticar a coluna que a barriga enorme não permitia. Caminhamos pelo quarto por alguns minutinhos e eu, bem maluca, talvez pela alegria de estar progredindo, me segurei na cama e na mão de uma delas e pedi: “Posso fazer uma coisa, por favor, por favor? Eu quero muito!” E eu dei uma sambadinha! Hahaha... Foi tão legal poder dançar, mesmo que por 2 segundos. Era a coisa que eu mais amava fazer! :D #doida
Depois do almoço a hora se arrastava. Era muito angustiante aguardar até 15hs para ver meus pais e meu amor por apenas 15 minutos. Contudo, nesta fase que eu estava desenganada pelos médicos, eles ainda conseguiam ficar mais tempo comigo a noite.
Eu amava encontrar com o Rogerinho nas visitas: Ele me olhava com ternura e me falava do amor que nem eu entendia como ele sentia. Eu estava horrível, inchada, descabelada, sem nenhum cuidado de beleza... Sexy demais: usava fraldas e um sutiã feito com máscaras descartáveis #misericordia! Hahaha Era simplesmente eu, como daquele jeito que a gente acorda, sabe? E ele me amou e ficou comigo em cada dia. Nós tínhamos menos de 1 mês e meio de namoro quando tive que operar e ele estava lá firme, acompanhando minha mãe, ajudando ela dirigir à SP pois ela não tinha prática e me dedicando todo o carinho do mundo, me fazendo rir e sendo parceiro a cada dia. Ele é mesmo muito especial!
Com minha mãe, D. Marlene, as horas de visita eram exclusivas à oração, nós cantávamos hinos a Deus, ela lia a Bíblia para mim e me contava as notícias do mundo após os muros do hospital. Além de toda a preocupação com minha saúde, nós pagávamos aluguel na época e a CEF havia liberado uma Carta de Crédito para nós, então eles tinham prazo máximo de 90 dias para encontrar uma casa. Era uma correria! 
Minha mãe é aquela pessoa que chamo de rocha! Forte e dura por tantas dores que passou na vida. Um coração do tamanho do mundo, amiga fiel, amorosa, dedicada, carinhosa, batalhadora, independente! Alguém a quem admiro e a quem sempre disse "quando eu crescer, quero ser assim". Super vaidosa, sempre no salto, maquiada, linda! O sorriso mais gostoso, o melhor beijo, o melhor colo. Mamãe, minha rainha!
Ela estava sofrendo muito e teve seus momentos de desespero. Soube que ela até gritou de tanta dor e pânico em me perder. Mas, não demonstrava para mim. Comigo, sempre havia um sorriso em seu rosto! 
Meu pai, Sr. Francisco, trabalhava no litoral paulista, em Cubatão e só conseguia me visitar no horário da noite. Sempre calmo e quieto, me transmitia muita paz e tranqüilidade. Eu não via nos olhos dele nenhum desespero, nenhum medo, nenhuma dor, somente cansaço! Ele trazia sempre uma mensagem de fé, paz, calma. Uma força que vem de Deus, certamente! E ainda hoje é assim, ele é meu porto seguro, o melhor abraço, a melhor conversa. Aquele que me escuta e aconselha e que eu posso sempre contar. Firme, correto, honesto e trabalhador... meu pai, meu amor!!!

Um hino da igreja que ainda hoje quando escuto, lembro destes momentos diz assim:

“Porque Ele vive, eu posso crer no amanhã
Porque Ele vive, temor não há, não há, não há
Mas, eu bem sei que o meu futuro
Está nas mãos do meu Jesus que vivo está!”

Ou aquele...

"Podes reinar, Senhor Jesus, oh sim!
Teu poder teu povo sentirá 
que bom Senhor saber que estas aqui
reina Senhor neste lugar"

Nós já freqüentávamos a RCC (Renovação Carismática Católica) antes de eu fazer o transplante. Era em São Caetano do Sul a igreja que participávamos, São Francisco de Assis, o pároco era o Pe. Vanderlei Nunes, um homem ungido de Deus, abençoado e que nos enchia de fé. No ministério de música da igreja, uma das cantoras se chama Fábia, uma pessoa linda, com uma voz doce e é na voz dela que “escuto em minha mente” estes hinos que marcaram tanto minha vida e me acompanhou em todos os momentos que aprendi louvar a Deus na dificuldade.
Houve um dia de extrema importância que certamente foi primordial para a minha história e por hoje eu estar aqui a redigir estas linhas para que possam ler. Lembro-me bem, pois foi uma experiência muito forte, única:
Era domingo, minha mãe veio me visitar com o folheto ABC Litúrgico da missa e, como sempre fazia me perguntou: “Dani, a ministra da eucaristia veio lhe trazer a comunhão”, e eu: “Sim, mamãe. Veio hoje cedo” E então, ela disse: “Trouxe o folheto da missa, você quer ler agora?” ... “Ah, mãe, lê pra mim?”
Era esta passagem:

Gênesis 22:1-14


1Passado algum tempo, Deus pôs Abraão à prova, dizendo-lhe: "Abraão!"
Ele respondeu: "Eis-me aqui".
2Então disse Deus: "Tome seu filho, seu único filho, Isaque, a quem você ama, e vá para a região de Moriá. Sacrifique-o ali como holocausto num dos montes que lhe indicarei".
3Na manhã seguinte, Abraão levantou-se e preparou o seu jumento. Levou consigo dois de seus servos e Isaque, seu filho. Depois de cortar lenha para o holocausto, partiu em direção ao lugar que Deus lhe havia indicado.
4No terceiro dia de viagem, Abraão olhou e viu o lugar ao longe.
5Dis­se ele a seus servos: "Fiquem aqui com o jumento enquanto eu e o rapaz vamos até lá. Depois de adorar, voltare­mos".
6Abraão pegou a lenha para o holocausto e a colocou nos ombros de seu filho Isaque, e ele mesmo levou as brasas para o fogo, e a faca. E, caminhando os dois juntos,
7Isaque disse a seu pai, Abraão: "Meu pai!"
"Sim, meu filho", respondeu Abraão.
Isaque perguntou: "As brasas e a lenha estão aqui, mas onde está o cordeiro para o holo­causto?"
8Respondeu Abraão: "Deus mesmo há de prover o cordeiro para o holocausto, meu filho". E os dois continuaram a caminhar juntos.
9Quando chegaram ao lugar que Deus lhe havia indicado, Abraão construiu um altar e so­bre ele arrumou a lenha. Amarrou seu filho Isa­que e o colocou sobre o altar, em cima da lenha.
10Então estendeu a mão e pegou a faca para sacrificar seu filho.
11Mas o Anjo do Senhor o chamou do céu: "Abraão! Abraão!"
"Eis-me aqui", respondeu ele.
12"Não toque no rapaz", disse o Anjo. "Não lhe faça nada. Agora sei que você teme a Deus, porque não me negou seu filho, o seu único filho."
13Abraão ergueu os olhos e viu um carnei­ro preso pelos chifres num arbusto. Foi lá pegá-lo, e o sacrificou como holocausto em lugar de seu filho.
14Abraão deu àquele lugar o nome de "O ­Senhor Proverá". Por isso até hoje se diz: "No monte do Senhor se proverá".

Minha mãe, ao ler estas palavras se emocionou e, mesmo a contragosto, corriam-lhe lágrimas pela face. Hoje entendo eu que movida pelo Espírito Santo, no calor daquela prece, e por uma fé que nem eu mesma sabia ter eu gritava a ela: “É isso, mãe! É isso! Como não percebemos antes?! É isso!”
Minha mãezinha confusa e sem querer acreditar no que eu dizia: “O que foi Dani, o que você está falando?”
“Estou dizendo mãe que é isto que a senhora tem que fazer... Se a senhora me entregar para o Senhor, Ele proverá o cordeiro! Ele vai preparar um fígado novo para mim!”
“Mas, Dani, eu não sou Abraão! Eu não tenho a fé de Abraão!”
“Mas, mãe, você vai ter que ter! Se quer que eu me salve...”
Ficamos ali por um longo tempo orando que o Senhor a capacitasse para aquilo e que ela conseguisse fazer aquela oração de maneira sincera, que as palavras viessem mesmo do coração e que ela abrisse mão de mim, se assim fosse a vontade do Pai.
“Depois de muito orarmos, ela conseguiu!”, disse:
“Senhor, a Dani não é minha, ela é sua, Senhor. Deste-me ela emprestada para que eu a cuidasse aqui na terra. Mas, ela é sua! Se for da Tua vontade que ela volte para Ti, peço que fortaleça a minha fé e me ajude a suportar. Que seja feita a Tua vontade, eu Te entrego a minha Dani”.

Foram tantas lágrimas, incontáveis! Mas, uma certeza fortalecida que a Misericórdia Divina iria se manifestar.


Eram dias em que falar em transplante estava na moda, era assunto dos principais telejornais. O governo estava determinando que as pessoas colocassem no RG se aceitavam ou não serem doadores de órgãos. O assunto polêmico era notícia quase todos os dias. Por isso, perdi alguns órgãos, pois as famílias não concordavam em doar. Além disso, precisava que fosse compatível o tipo sanguíneo, que não houvesse indícios de uma série de doenças e que o óbito do doador fosse morte cerebral. Então, naquela noite estava eu assistindo ao Jornal na Rede Globo e passou a notícia: “Um rapaz de 22 anos havia sido vítima de assalto em um farol, fora baleado na cabeça. Um moço novo, bonito, moreno, usava bigodinho... A notícia dizia que sua família iria doar todos os órgãos possíveis, inclusive as córneas. Em minha mente eu rezei: “Deus, bem que o fígado dele poderia vir para mim!” -.-

11. O SUSTO E A ÚLTIMA TENTATIVA

Já havia passado 4 dias do transplante hepático e tudo parecia estar dentro da normalidade, até que na tarde daquele dia, meus resultados de exames chegaram e deixaram os médicos em alerta, algo estava errado. Eles concluíram que a “anastomose”, que é a costura que é feita na artéria hepática, estava apertada. Para eu ser mais clara, eles tiraram meu fígado doente e colocaram o do doador no lugar, a costura cirúrgica é feita em uma artéria do fígado (que é mais fina do que uma veia), e é esta costura que ficou muito apertada e estava dificultando o fluxo sanguíneo. A notícia era mesmo preocupante, mas eu estava bem e nem desconfiava de nada... Mas, a qualquer momento a artéria poderia entupir e eu não resistiria. A esta altura do campeonato, eu já estava me alimentando com purê e gelatina, estava feliz, me sentia bem. Os médicos já tinham até tirado o dreno do meu abdômen e a sonda vesical (para urinar).

Neste dia, um médico ignorante da UTI, Dr. Benedito, disse a minha mãezinha com brutalidade: “Ela está bem, mas se a artéria entupir, ela morre!” Ele foi tão bruto, tão bruto que minha mãezinha conta que foi se encolhendo, até se sentar no chão de tanto chorar... #insensível

No dia seguinte, fui levada de ambulância ao Hospital Samaritano de SP. Eles realizaram um procedimento de mais 5 horas para tentar desobstruir a artéria hepática. Uma cânula foi da virilha ao fígado, similar ao exame de Cateterismo Cardíaco, mas este procedimento não foi suficiente para sanar o problema. A única alternativa para que eu sobrevivesse era um re-transplante.

sábado, 24 de outubro de 2015

10. A UTI

Estar em uma UTI mostra-nos como somos pequenos. É uma situação de total necessidade da ajuda e solidariedade do outro: os ossos se enrijecem e você não pode andar ou sentar, você não tem privacidade para fazer na-da sozinha e na maior parte das vezes tem de usar fraldas e, para fazer a coisa mais simples do mundo como beber água, por exemplo, você precisa pedir permissão ou auxílio para executar.
Eles monitoram seus batimentos cardíacos, sua temperatura, pulsação, saturação, diurese e cada gotinha de medicação que é injetada em seu sangue são minuciosamente calculadas! Estar na UTI é estar viva pela misericórdia divina, abandonada à iniciativa do outro, é estar e contar com o carinho de quem vive a profissão por vocação mesmo. Até porque é totalmente compreensivo se os profissionais da saúde forem se tornando frios com o passar dos tempos, pois convivem com a morte e sofrimento diariamente. Mas, é impressionante como há pessoas que vêem no outro a face de Cristo e fazem com extremo amor aquilo que enoja a qualquer um.
Eu tive o privilégio de ser cuidada por pessoas assim, graças a Deus. A enfermeira Edna, responsável pela captação dos órgãos de doadores, é um ótimo exemplo disso, lembro-me com clareza dos momentos que ela vinha aos pés da minha cama, retirava as faixas das minhas pernas e massageava-as e aos meus pés por um longo tempo, conversava comigo, fazia-me sonhar, sorrir, um carinho que certamente ela dedicava aos filhos que eu nem sei se ela tinha ou tem hoje. Quando eu não tinha mais veias disponíveis para serem furadas e meus braços estavam roxo escuro, como a casca da berinjela, ela vinha com doçura e massageava. Um doce de pessoa!
Havia também um técnico de enfermagem do horário noturno, lembro-me que se chamava André, cuidava de mim também como um irmão, fazia-me rir e antes de eu dormir me dava outro banho de leito (era fevereiro e fazia muito calor). Depois do banho ele massageava minhas costas com um creme especial para as dores fortes que eu tinha na coluna e então sim, eu conseguia ter uma boa noite de sono.
Sobre o sono, já deu pra perceber que era bem complicado dormir na UTI, agora, quanto a alimentação, o que eu mais comia quando saí do soro era purê de batatas ou mandioquinha (humm) e gelatina. Um dia lembro que eu estava louca de vontade por uma salada de alface crespa e um suco de laranja natural... Nossa! Chegava a dar água na boca!
As 5hs da manhã a grande movimentação de sempre recomeçava, luzes se acendiam em meu rosto e eles vinham medir a pressão venosa central (PVC) várias vezes ao dia, era um procedimento feito pelo médico e eu odiava. Meu abdômen estava bem inchado e havia nele e em meu tórax mais de 100 pontos. Meu leito ficava sempre com a cabeceira erguida e, para que este exame fosse realizado era necessário deitá-lo totalmente o que fazia com que meu abdômen e coluna se esticassem todo, causando dores e incômodo muito grande, inclusive falta de ar. Mas, era um procedimento necessário para medir a pressão do sangue venoso bombeado pelo coração e, portanto, feito regularmente.

Toda manhã também eu fazia exames de sangue para que eles conseguissem avaliar meu estado clínico geral, posso dizer que este sim era um dos maiores sofrimentos que tive na UTI, as constantes “picadinhas”. Bom, quando você vai ao laboratório uma vez ou duas ao ano realmente é só uma “picadinha”, mas colhendo sangue todos os dias e tomando medicações fortíssimas, antibióticos, analgésicos e drogas para não rejeitar o órgão recém colocado, as veias vão se tornando cada vez mais finas e frágeis como de um bebê e realmente um simples exame de sangue vai se tornando uma real tortura.

9. RPA - REPOUSO PÓS ANESTÉSICO

Meu corpo está estranho, sinto-me suja, há algo grudento em minha pele, tudo parece em câmera lenta e o que vejo está turvo. E o pior, há algo em minha boca que pressiona minha língua para baixo, quando engulo saliva sinto um cano ferindo minha garganta. Estou entubada.
Não estou sozinha, a Dra. Márcia Ferreira está comigo, ela ouve uma música bem baixinha, de Chico Buarque de Holanda e, ao notar que abri os olhos ela num salto vem ao meu lado e me pede: “Fique calma, está tudo bem! Vou te dar um papel para que escreva o que você quer” e eu escrevo: “Banho” rs
Ela então me explicou que o que havia em meu corpo era anti-séptico (depois eu soube que era Polvidine PVPI), e que eu estava toda enfaixada (como uma múmia) para que a temperatura do meu corpo fosse mantida, pois foram muitas horas de cirurgia.
Então eu escrevi: “Cano”
Ela me pediu para ter um pouco mais de paciência, que era de madrugada e ela só iria retirar a cânula pela manhã.
Foi bem difícil, a ansiedade e o incômodo eram enormes! Com muito custo, adormeci novamente.

Não posso dizer que orei por essas horas, parecia que eu estava em outra dimensão. Não consigo descrever, é como se estivesse assistindo a um filme sem graça de mim mesma. Não era bom estar acordada, mas dormir também não trazia descanso. Creio que era o efeito de tanto anestésico, antibiótico, anti-inflamatório que eles injetavam. Só sei que a sensação era muito, muito ruim.

8. O TRANSPLANTE

Enfim, chegou o tão esperado dia! 18/02/1997, aproximadamente 16hs. Chegando ao hospital, lembro-me que tudo me soava estranho. Fiquei numa ala infantil, creio que pelo fato de que meu médico era cirurgião infantil. Lembro-me dos berços da enfermaria, dos bebês que estavam internados... E aquela angustia da espera das 16hs às 21hs... Uma eternidade! O ponteiro do relógio se arrastava...
Minha mãe contou que além de mim, havia mais 2 pacientes aguardando também no hospital. Elas estavam a minha frente na fila do transplante, então, eu só faria se não desse certo algum detalhe para elas. Mas, era mesmo o meu dia!
Às 21hs o Dr. Caruso, anestesista mostrou-me o relógio na sala de cirurgia. Muito brincalhão fez me rir naqueles últimos instantes que poderiam ser os últimos de minha existência, ao menos de maneira consciente. Na mente eu orava uma Ave Maria atrás da outra, de maneira incontável... Medo do desconhecido, do que viria depois, do que eu iria sentir, de como seria minha vida... Mas, em nem um instante, em nenhum, nenhum segundo sequer eu achei que morreria. A minha fé me dizia que tudo daria certo, mesmo eu sabendo que não seria fácil.
Foram longas 12 horas de cirurgia, das quais eu estive totalmente apagada! O que sei é o que me contaram depois: a chegada do meu pai ao hospital e do meu Rogério, deles 3 ansiosos por notícias durante toda a madrugada, num corredor gelado do hospital, madrugada afora, orando com fé e muito medo, um buscando apoiar o outro e eles dois acalmando o desespero da minha mamãe. Até que após muito esperar, o doutor deu-lhes a notícia que a cirurgia havia sido um sucesso! Graças a Deus!
Hoje, pensando em tudo isso, vejo como Deus foi misericordioso comigo. Não sofri dores na barriga. Pelo contrário, nunca, nunca doeu nada! Minha barriga ficou por aproximadamente um ano totalmente anestesiada!

Como Deus é bom e misericordioso! Amém! Aleluia!

7. O CHAMADO

Na época eu estagiava em uma multinacional, era fev/1997, eu estava com 16 anos de idade. Era 11h30, hora do meu almoço, eu estava à mesa, o prato à minha frente só tinha recebido duas garfadas e eu estava faminta, mas, o bendito do Bip tocou! Era a Tânia, chefe e amiga da minha mãe, dizia “Dani, não coma, nem beba nada! Você foi chamada para o transplante! Chegou o grande dia!”

Eu tremia dos pés à cabeça! Larguei o prato e fui falar com a D. Rita, minha coordenadora. Eles mobilizaram a ambulância do departamento médico, passaram pelo Hospital Brasil para pegar minha mãe no trabalho e nos levaram até a Santa Casa de SP. Foi de muita generosidade da minha coordenadora e da equipe da TRW Automotive fazer isto por mim. Hoje entendo que eles conheciam melhor a emergência do momento do que eu em minha ingenuidade.

6. A ESPERA E O MEU ALENTO

Fui inscrita na fila de transplantes ainda naquele mês out/1996, tive que tirar o aparelho ortodôntico que usava há três anos, mesmo sem a conclusão do tratamento. Tomava algumas medicações e fazia uma dieta alimentar.
Na época somente os ricos tinham celular, e eles precisavam me localizar a qualquer hora do dia ou noite, então minha mãe teve de comprar para mim um Bip (que eu odiava).
Cada vez que aquele trocinho apitava, meu coração ia da boca ao pé em segundos, pra depois retornar ao peito. Era horrível!!!
Mas, por várias e várias vezes ao orar e abrir a Bíblia pedindo que Deus falasse comigo, aparecia a mesma passagem. O Senhor dormia na barca, mas Ele não estava alheio ao meu sofrimento. Que eu mantivesse minha confiança nEle e que soubesse aguardar que Ele acordasse e um novo milagre seria feito em minha vida.

Foi um período de deserto, onde eu precisava buscar a Deus constantemente. Só Ele poderia me dar forças para suportar o medo. E Ele nunca me deixou sozinha. E além de tudo tinha mais um presente... Rogerinho


Em dez/1996 reencontrei o Rogerinho. Ele era amigo dos meus primos, nos paquerávamos nas quermesses das igrejas São Bento e Nossa Senhora da Candelária de São Caetano do Sul. Começamos a namorar em 28/12/1996 e eu nem imaginava o quão importante ele seria para mim, em tudo o que eu ia passar!

5. A BUSCA DE ALTERNATIVAS

Mas, então, depois de tudo isso, lá estava eu, 16 anos de idade, morrendo de medo, mas segurando nas mãos de Deus e pedindo que não doesse o exame, que Deus cuidasse de mim e, principalmente que não houvesse necessidade de um transplante. Lembro-me claramente desta cena, eu havia acabado de acordar da anestesia, estava no quarto de uma famosa clínica em São Caetano do Sul chamada Clínica Bandeirante, aos cuidados do renomado Dr. Theodoro, minha mamãe ao lado da cama visivelmente preocupada, quando o doutor entra no quarto com uma fita VHS nas mãos e diz que o que tenho é grave, bem grave!

Eu pedia pra Deus: “Senhor, qualquer coisa, menos um transplante!”
Enquanto o doutor prosseguia com a explicação: “Trata-se de uma Cirrose Hepática e que somente um Transplante de Fígado é capaz de salvar a vida dela...”

Chorar foi tudo o que conseguimos fazer...

Os dias seguintes foram conturbados. Lembro-me do repouso que tive de fazer, então meu pai montou minha cama na sala, pois como eu morava em sobrado, não poderia ir para o meu quarto. Mamãe e eu orávamos muito e um dia em uma dessas orações o Senhor nos deu esta palavra:

E, entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram;
E eis que no mar se levantou uma tempestade, tão grande que o barco era coberto pelas ondas; ele, porém, estava dormindo.
E os seus discípulos, aproximando-se, o despertaram, dizendo: Senhor, salva-nos, que perecemos!
E ele disse-lhes: Por que temeis, homens de pouca fé? Então, levantando-se, repreendeu os ventos e o mar, e seguiu-se uma grande bonança.
E aqueles homens se maravilharam, dizendo: Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?



Ele me dizia para ter fé que Ele não estaria dormindo perante minha situação. Eu sabia que tinha sobrevivido a uma gestação e parto bem difíceis e que o Senhor havia me sustentado. Lembro que o medo era grande, mas a fé, maior ainda!
Quando terminou meu repouso fomos a vários médicos, Hospital Beneficência de SP, Hospital das Clínicas de SP, Hospital Brasil e ainda haviam outros médicos agendados. No desespero, minha mãe queria ouvir outras opiniões, não conseguia acreditar que estávamos passando por aquilo.

A consulta no Hospital Brasil, com o Hepatologista e Cirurgião Infantil Dr. Maurício Iasi foi decisiva em minha vida. As palavras dele jamais serão esquecidas: “Danielle, você precisa decidir, cão com muito dono, morre de fome! Você precisa escolher onde e com quem quer se tratar e começar isso já!” Ele pegou um papel e desenhou um fígado para que eu entendesse melhor, mostrou-me que meu fígado estava funcionando apenas 34%, explicou que se eu decidisse entrar na fila do transplante muitos riscos eu correria, poderia morrer enquanto esperava na fila, poderia morrer durante o transplante e poderia morrer no pós-operatório, poderia também morrer nos primeiros anos pós-transplante, mas, também havia a chance do transplante ser um sucesso e eu ter uma ótima qualidade de vida. E ainda, que se eu decidisse não entrar na fila eu teria no MÁXIMO 3 (três) anos de vida e que se eu fizesse o transplante os primeiros 5 anos eram os mais críticos.
Os riscos eram enormes, mas eu me lembrava que o Senhor estava dormindo na barca e que a qualquer momento Ele se levantaria e acalmaria a tempestade.
Minha mãe chorava descontroladamente e entre soluços ela não conseguia balbuciar nenhuma palavra!
Eu chorava também... Absorvia cada palavra dele, digerindo tudo aquilo que caía no meu estômago como pedra. Ele me olhava nos olhos, falava com voz doce e firme, com calma... Dando uma aula de conhecimento, funcionamento e possibilidades, como um professor... Depois vim saber que ele era mesmo professor na Santa Casa de SP. Mediante tudo isso, não havia outra opção para mim, era ele!!! E então eu disse, “Dr. Maurício, o senhor aceita ser meu médico?” 

3. ADOLESCÊNCIA

A vida prosseguiu normal até aproximadamente os 14 anos de idade...


 


7 anos - Viagem a Pernambuco
4 anos - Com a Denise, minha prima

5 anos - Na chácara com a mamãe 
e o Valtinho bebê
Comigo meu vovô José, ao lado, meu vovô
Antonio, minha vovó Santina (saudade de todos).
E lá atrás minha tia pequenina Nair 
8 anos - Da esq. pra dir. Valtinho, Aninha, Melina, 
eu e o Douglas, todos primos.



















4 anos - Minha prima linda Paty que Deus a tenha. Os primos Nestor, Alexandre, 
Nando, Dú, Paty e Jeferson (Zequinha), também já com o Papai do Céu. 
Nós na chácara, na construção da casa


10 anos - com a Elisete (Lili), minha prima


14 anos - Ju, eu, Denise e Raquel
#partiubalada
14 anos - com a Cyntia #partiubalada















Foi então que comecei a ter sintomas que as moças têm: dores de cabeça, cólicas, dores nas costas e alterações de humor. Eu estranhava que já tinha os sintomas pré-menstruais há algum tempo, mas não menstruava. Conversei com algumas amigas da escola e várias já tinham ciclo e isso me preocupou. Pedi a minha mãe que me levasse ao médico. Na época, ela trabalhava no Hospital Brasil em Santo André – ABC Paulista e logo agendou a consulta. Fiz alguns exames e o médico receitou uma medicação à base de hormônio. Tomando a medicação, eu tinha o ciclo menstrual, mas quando o doutor orientava que a medicação fosse interrompida, a menstruação não acontecia naturalmente, assim, outros exames foram feitos, mas nada foi detectado.

Aproximadamente na mesma época, fui ao Endocrinologista porque também estava preocupada com meu rápido aumento de peso. Fiz até algumas dietas alimentares e não estava conseguindo emagrecer. (Observe na última foto eu já estava mais obesa).

Em um dos exames o doutor percebeu que o meu nível de plaquetas estava muito inferior ao normal, para uma pessoa da minha idade. Fui encaminhada ao Hematologista para investigar a causa.

No mesmo hospital, passei com a Dra. Nadjanara que pediu exames e mais exames. Ela não se conformava que os exames não acusavam nenhuma anormalidade, fiz inclusive aquele exame de líquor, para ver se eu tinha leucemia. Confesso que eu ficava irritada com a doutora que se mostrava decepcionada cada vez que abria um exame meu e o resultado era normal. Ela pediu ainda para minha mãe repetir os exames de sorologia de Hepatite em outro laboratório que ela julgava ser mais confiável, pois ela achava meus olhos eram amarelados e seus conhecimentos diziam que meu problema era no fígado. Assim, mesmo sem o convênio ser aceito neste laboratório, minha mãe pegou suas economias e eu fiz o exame particular que demonstrou que a doutora estava certa em sua suspeita... Ela encaminhou-me a um Infectologista. Passei rapidamente no mesmo hospital e ele solicitou um exame mais minucioso a Biópsia por Videolaparoscopia.

Tudo isto já estava me deixando amedrontada...

Fiz o exame dia 16/10/1996. Bom, nesta época, já havia passado por coisas boas e ruins na vida: aos 11 anos perdi meu avô materno José na seqüência de mais 2 tios que eu amava muito, um deles de maneira muito trágica; aos 12, vi meu pai se entristecer ao ter sua oficina automobilística (de mais de 10 anos) se afundar devido à assaltos; dos 11 aos 13 tinha me divertido muito com primos e amigos na chácara dos meus pais em Mauá, onde meus pais estavam construindo a casa dos sonhos da mamãe e, aos 15, tinha ganhado uma festa maravilhosa, onde passei por momentos inesquecíveis!!!


Missa do meu niver 15 anos
Meu níver 15 anos, com minha madrinha
Neusa e meu padrinho José, já com Jesus



Meus pais, na minha festa 15 anos
Meu momento Princesa

2. INFÂNCIA

Ballet na sala de casa 



Cris e Mara, minhas primas
Desde 1 aninho de vida tive que usar óculos para tentar corrigir o estrabismo alternante, mas não houve sucesso. Aos 4 anos de idade fiz minha primeira cirurgia para a correção do estrabismo de um dos olhos, e aos 5 anos, do outro.

Minha mãe conta que ela teve muito medo, pois a famosa cantora Clara Nunes havia falecido há pouco tempo (na época suspeitava-se que havia ocorrido erro médico em relação à anestesia administrada em Clara), mas minha cirurgia, graças a Deus, foi um sucesso!




Curtindo o dengo da minha vovó


Não tenho lembranças dessa época. Não sei se algumas imagens mentais que vêem à minha mente são referentes à primeira ou segunda cirurgia, mas lembro-me vagamente daquelas paredes brancas do hospital, do corredor gelado e do suéter de lã preto em gola v do meu avô paterno Sr. Antonio, a quem eu amava tanto, além da minha avó e dos meus pais comigo lá no hospital.

Recordo-me também da recuperação, o olho com tampão, compressas de água gelada e que eu me sentava atrás do encosto do sofá e apenas ouvia aos desenhos porque não podia assistir à tv durante um bom tempo.